Vêm aí os supercargos da Esplanada
Proposta que separa gratificações dos servidores efetivos das dos funcionários sem concurso é alvo de críticas por beneficiar indicados de políticos
O governo deflagrou ofensiva pela aprovação de projeto que abre brecha para o aumento de salários de servidores que não têm vínculo com a administração pública — cerca de 5,6 mil pessoas. A proposta separa as gratificações destinadas a funcionários efetivos das que são usadas para pagar os contratados sem concurso público.
O Ministério do Planejamento garante que a intenção é ampliar a profissionalização do pessoal do Executivo, criando critérios para a nomeação de efetivos em cargos de confiança. Entidades de classe, no entanto, condenam a iniciativa. “Com isso, você pode dar um tratamento diferenciado aos apadrinhados dos diversos partidos que compõem o governo”, disse o secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Josemilton Costa.
Hoje, tanto servidores efetivos quanto os de livre provimento que ocupam cargos de confiança são pagos por meio dos chamados DAS. Os funcionários de carreira podem receber até 60% do valor do DAS, que varia de R$ 1,2 a R$ 5,3 mil, além dos vencimentos. Já os de livre provimento recebem o DAS em valor integral, como pagamento de salários.
O projeto de lei em questão cria uma função comissionada específica para os funcionários de carreira. A proposta prevê a criação de 2.477 Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE), com destinação exclusiva a servidores dos ministérios do Planejamento, Fazenda e Justiça, além da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Advocacia-Geral da União (AGU).
O número de FCPEs criadas é muito inferior ao de cargos de confiança ocupados por funcionários efetivos no Executivo, cerca de 14 mil. Isso porque, segundo o secretário de gestão do Ministério do Planejamento, Marcelo Vianna, a implementação da função comissionada exclusiva de servidores de carreira será gradual. “A FCPE será implementada aos poucos, à medida que os órgãos tiverem suas estruturas regimentais regulamentadas. Esse é o primeiro passo para a profissionalização da administração pública. A ocupação desses cargos se dará com critérios, que serão regulamentados pelos próprios órgãos”, explicou.
Para o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Federais no DF (Sindsep), Oton Neves, o projeto é vago no que diz respeito aos critérios para a ocupação das novas funções comissionadas. “O governo deveria explicitar, por exemplo, a necessidade de se fazer concursos internos para a ocupação desses DAS, que daria uma condição justa de escolha a todos os servidores. Como o projeto está, nada vai mudar e a indicação para os cargos de confiança continua sem critérios específicos”, criticou.
Oton também questiona o argumento de “profissionalização da gestão pública”. “Se a intenção era valorizar o servidor, o governo não precisava ter criado uma função específica para isso. Bastava vincular o DAS ao efetivo, o que é uma reivindicação antiga da categoria. Criar uma função para o efetivo e manter o DAS para o funcionário de livre provimento abre uma brecha para se fazer correções diferenciadas”, observou. Com a separação das gratificações, o governo poderia reajustar os percentuais referentes aos apadrinhados sem interferir no total de gastos da folha de pagamento dos efetivos.
O secretário de Gestão do Planejamento classificou as críticas como infundadas. Ele diz que não há intenção de se fazer reajustes diferentes. Vianna disse ainda que os servidores de livre provimento são necessários para “oxigenar a máquina pública”. O número de cargos de confiança no Executivo bateu recorde este ano, chegando a 20,9 mil cargos, segundo Boletim Estatístico de Pessoal do Planejamento.
Brecha na brecha
O polêmico projeto estava sem movimentação na Câmara desde março deste ano. Naquele mês, ele foi aprovado pela Comissão de Trabalho, Administração e Serviço público da Câmara e recebeu uma emenda do relator, Marco Maia (PT-RS), que deixou em sobressalto os sindicalistas. A proposta enviada originalmente pelo Executivo criava as 2.477 funções comissionadas extinguindo o número de DAS correspondentes, para que não houvesse impacto orçamentário. O deputado da base do governo decidiu modificar o texto, deixando o Executivo “autorizado” a extinguir os DAS. “Isso abre a possibilidade de que se tenha uma duplicidade no pagamento, criando as novas funções e mantendo os DAS já existentes”, ponderou Oton Neves.
No relatório, Maia justificou a mudança dizendo que ela iria “flexibilizar” a ação do poder Executivo. O projeto tramita com a possibilidade de ter a votação concluída nas comissões, indo ao plenário apenas se houver recurso entre os membros dos colegiados. A matéria está agora nas mãos do deputado Vignatti (PT-SC), na Comissão de Finanças e Tributação. “Eu pedi que a consultoria desse uma olhada nele na última semana, para saber a situação em que ele está e ver se podemos colocar em pauta”, disse ao Correio. Depois disso, a proposta segue para a Comissão de Constituição e Justiça na Câmara.
Aumento de custos
A política de concessão de reajustes para servidores públicos, adotada com maior ênfase pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde 2006, começa a apresentar impactos significativos na folha de pessoal pago com dinheiro da União. A última parcela do aumento concedido aos funcionários do Judiciário em 2006, por exemplo, foi computada em dezembro de 2008. Resultado: a despesa média mensal por servidor saltou de R$ 14,1 mil no ano passado para R$ 16,7 mil, calculados nos últimos 12 meses deste ano. A diferença, de 18,4%, é quatro vezes maior do que a inflação acumulada no mesmo período, que é 4,34%.
A reestruturação, promovida no ano passado, de diversas carreiras do Executivo também trouxe impacto significativo na folha de pessoal da União. A média de gastos com pagamento de servidores passou de R$ 4,8 mil para R$ 5,5 mil, um aumento de 12,7%. O Legislativo apresentou a menor variação proporcional: os gastos saltaram de R$ 12,5 mil para R$ 12,6 mil, mas Senado e Câmara já preparam seus respectivos planos de carreira. No total, a folha da União fechou o ano de 2008 em R$ 144,4 bilhões. O valor calculado pelo Planejamento em 2009 já está em R$ 161,8 bilhões.
O volume de gastos da União com o custeio da máquina será tema constante de debates nas eleições presidenciais de 2010. A candidata do PT, Dilma Rousseff, defenderá que o governo Lula reestruturou a máquina pública, que teria sido sucateada durante os governos tucanos. A tal reestruturação seria fruto das política de criação de carreiras e de revisão salarial.
A oposição, por sua vez, trata o gasto com pagamento de pessoal como uma bomba-relógio, que explodirá no colo do próximo governante. Isso porque muitos dos reajustes, a exemplo do concedido aos servidores do Judiciário, serão implementados em parcelas, ao longo dos próximos anos. Diz que o governo não tem condições de arcar com todos os compromissos assumidos. Nas eleições, questionarão a eficácia desses investimentos.
Fonte
Correio Braziliense – 11 de novembro de 2009