Governo diz que proposta da Lei Orgânica não está acabada e defende busca de "equilíbrio"
O secretário de Gestão do Ministério do Planejamento, Marcelo Viana, informou que a minuta do projeto da Lei Orgânica da administração pública, alvo de críticas até de integrantes do governo, ainda não é um texto acabado e que poderá sofrer alterações na medida em que o governo aprofunde o debate interno.
A proposta foi elaborada por uma comissão de juristas que iniciou o trabalho há mais de dois anos. O objetivo é tornar a administração pública mais ágil e, com isso, reduzir o custo da máquina. Em entrevista à Agência Brasil, Marcelo Viana, considerou que o capítulo que trata do controle não pretende acabar com as fiscalizações prévias ou concomitantes da obras públicas. Segundo ele, a orientação é no sentido de observar os casos nos quais cada tipo de fiscalização é mais adequado.
O secretário enfatizou a necessidade de se encontrar um ponto de equilíbrio entre a fiscalização e a necessidade que o administrador tem de tomar decisões ágeis. “Então eu diria que temos que encontrar um ponto de equilíbrio. Não podemos nem ter uma situação em que o administrador não possa fazer nada, sem ter um controle prévio, por outro lado também não podemos imaginar que o administrador possa fazer o que quiser sem se submeter aos controles que devem existir", afirmou.
Viana disse ainda que o governo está aberto a contribuições para o aperfeiçoamento do texto, antes que ele seja enviado ao Congresso Nacional, que também deverá promover um amplo debate sobre o assunto. “A ideia é que o antiprojeto é um ponto de partida qualificado para o debate. Mas não é o ponto de chegada que vai depender exatamente desse trabalho de articulação e discussão dentro do governo e depois evidentemente quando o projeto estiver tramitando com uma discussão ainda mais ampla”, explicou.
Agência Brasil – A proposta sobre a Lei Orgânica da Administração Pública tem sido alvo de críticas principalmente em relação ao capítulo que trata do controle. O governo pretende realizar mudanças?
Marcelo Viana – Um anteprojeto de lei que foi elaborado por uma comissão de jurídica, para ser debatido. Eles fizeram esse anteprojeto com total liberdade, a pedido do ministro [do Planejamento] Paulo Bernardo, que instituiu a comissão de jurídica, e agora o governo recebeu essa proposta deles e está submetendo a um debate interno.
Abr – Mas a proposta tem recebido críticas sobre a supressão dos controles prévios e concomitantes. Tornar esses tipos de controle uma exceção não seria arriscado?
Viana - Olha, não há supressão. O fato de ser exceção não significa que vai ser suprimido, é preciso deixar isso claro. O controle vai continuar podendo agir no exercício de suas a atividades. O controle é tradicionalmente uma atividade que ocorre a posteriori, mas nada impede, em absoluto, que haja controle prévio concomitante se as condições assim exigirem. O fato de ter exceção não significa que não vai ser feito.
Abr – O Tribunal de Contas da União (TCU), por exemplo, critica: diz que o controle prévio ou concomitante atende ao quesito da tempestividade da investigação. Segundo o TCU, esse quesito tem proporcionado nos últimos anos uma apuração melhor do andamento das obras, uma identificação mais efetiva de irregularidades. Privilegiar o controle a posteriori não poderia atrapalhar na identificação das irregularidades?
Viana – Nada disso. Ela [Lei Orgânica da Administração Pública] não privilegia nem um nem outro [tipo de controle], e cabem os dois quando tiver que ser feito. De certa maneira é essa a razão da palavra exceção. O que não pode é que todos os atos da administração tenham que ser previamente submetidos ao controle. Senão a administração não vai funcionar mais. O que a gente não pode é fazer uma universalização. Que todos os atos da administração sejam submetidos a controle prévio. Senão não precisa mais de administrador. O controle prévio e concomitante deve ocorrer sempre que houver motivos para que ocorram. Agora, os princípios que regem a administração são os princípios gerais de presunção de boa-fé. É o princípio geral que rege a legislação brasileira. Ninguém é culpado a priori. De sorte, que os controles têm que ocorrer quando há motivos que justifiquem a sua atuação. Eu não posso impedir que o administrador administre. Ou seja, o administrador para administrar não pode estar submetido a uma situação em que ele tenha que sempre que, antes de tomar uma decisão, usar o controle. Isso não faz o mínimo sentido. Até por que as coisas têm que acontecer e a administração não pode se atrasar. Agora é obvio, que qualquer ato do administrador que esteja em processo, em que haja motivos para que se atue de forma previa ou concomitante, isso tem que ocorrer. Só não pode ser um ato universal.
Abr – A administração pública é emperrada pelas regras que hoje vigoram?
Viana - Temos que melhorar a qualidade de gestão. Falo isso com tranquilidade por ser secretário de Gestão. Evidentemente, aqui há muitas coisas por fazer ainda para melhorar a qualidade da execução no Poder Público de uma maneira geral. Alguns passos no sentido de melhorar já estão sendo tomados. Há um processo claro de renovação da máquina pública de profissionalização e criação de novas carreiras, melhoria geral na qualificação, na formação dos servidores, de sorte que esse pessoal mais qualificado, no âmbito da administração e da execução das atividades, deve melhorar a qualidade dessas atividades. Boa parte dos problemas que são identificados pelo controle em geral não são ilicitudes, mas erros cometidos por um despreparo do agente público. De sorte, temos que agir no sentido de, preventivamente, evitar esses erros, mas dentro de uma solução estrutural que é de qualificar a administração pública mediante sua profissionalização. E isso está sendo feito. O governo já criou carreiras específicas em diversas áreas, tem propostas no sentido de criar outras carreiras, dos ministérios setoriais, principalmente para as áreas meio dos ministérios, e tem uma proposta tramitando no Congresso que cria funções comissionadas no Poder Executivo cujo objetivo é profissionalizar os níveis tático e operacional da gestão pública. De sorte que tudo isso é necessário para melhorar a qualidade da execução.
Abr – Mas em relação aos mecanismos de fiscalização?
Viana - No que diz respeito ao controle, nós não podemos imaginar que qualquer ato do administrador tenha que antes ser submetido a um controle prévio. O administrador tem que tomar decisões. É da natureza da administração tomar decisões. Ele tem que agir sob pena das coisas não acontecerem. Claro que se houver indícios que em sua ação há uma ilicitude, é evidente que os órgãos de controle devem atuar, sim. Agora, temos que ver se o controle está sendo substantivo ou se são problemas de conformidade de natureza secundária. Há pouco tempo, eu tive notícias, participando de um evento com o prefeito de Vitória, e o prefeito contava que tinha havido um processo pelo qual a prefeitura de Vitória tinha emprestado alguns bens para a prefeitura de Salvador para a realização de um evento. E por que houve o atraso de um dia na publicação no Diário Oficial, do ato que formalizava isso, ele recebeu uma ação por improbidade administrativa, Ou seja, não se pode levar ao exagero de um controle que exacerbe o peso de conformidade secundária. Então, eu diria que temos que encontrar um ponto de equilíbrio. Não podemos nem ter uma situação em que o administrador não possa fazer nada, sem ter um controle prévio, por outro lado também não podemos imaginar que o administrador possa fazer o que quiser sem se submeter aos controles que devem existir. Em relação ao antiprojeto de lei apresentado pelos juristas, conversei com vários deles e todos, em uníssono, me disseram que não há nenhum objetivo no sentido de cercear o controle ou de impedir que o controle ocorra. Trata-se apenas de dar o tratamento doutrinário adequado a cada uma das funções da área pública. E repetiram isso. Não somente em relação a esse tópico específico que gerou tanta controvérsia referente ao controle a posteriori, mas também em relação a outros tópicos. Todo mundo sabe que, na ocorrência de certas irregularidades, a ação concomitante é fundamental para evitar que haja prejuízo ao erário. O que nós não podemos é impedir que o administrador administre.
Abr – O ministro Paulo Bernardo disse que o Ministério do Planejamento está pensando numa forma de ter um regime diferenciado para as estatais a fim de dar um pouco mais de agilidade no processo de contratação. Como esse processo pode ser facilitado sem que haja risco de fraude?
Viana – O próprio anteprojeto de lei apresentado pelos juristas prevê um regime especial para as chamadas entidades estatais de direito privado, entidades essas que incluem as empresas estatais. E hoje a própria lei de licitação já abre a possibilidade de regimes especiais para as empresas estatais. É mais um nicho de oportunidades que tem que ser trabalhado no sentido de evitar regras que sejam incompatíveis para o bom funcionamento de empresas que estão no mercado e, inclusive, têm concorrentes privados. Outro aspecto que gostaria de frisar sobre a questão de controles, é que nós temos uma cultura muito burocrática formal. Os nossos mecanismos de controles se prendem, em geral, a procedimentos e a conformidades, e, em geral, esquecem que tão importante quanto controlar procedimentos e provavelmente mais importante é controlar resultados. E o antiprojeto apresentado pelos juristas prevê mecanismos de controle de resultados na administração pública mediante a adoção de contrato de autonomia. Por isso é importante.
Porque eu posso ter todo um processo absolutamente legal, seguir todas as conformidades e não gerar nenhum resultado para a administração ou para a população que paga impostos. É preciso que haja um controle no âmbito da administração, e por isso o anteprojeto propõe a figura dos contratos de autonomia, mediante a qual os entes públicos poderão ter mais liberdade para atuar no ponto de vista orçamentário, financeiro e administrativo, mas em conseqüência, estarão também obrigados a cumprir metas e resultados previamente pactuados.
Abr - Outro ponto que o TCU tem questionado, é o dispositivo que pode dar margem às empresas privadas de se livrarem da fiscalização mesmo tendo recebido recursos públicos?
Viana – No anteprojeto apresentado para os juristas, em outro momento, se finaliza nessa direção. Não só se prevê que deve haver um controle da legalidade dos atos contratuais firmados, como também do cumprimento do objeto desses contratos. A prestação de contas é necessária. Você tem que comprovar que o objeto contratado foi executado, que houve a execução física. Toda essa prestação de contas tem que ocorrer. O que não pode, e é o que os juristas estão querendo deixar claro, é exigir que entes privados sigam normas de direito público. Os entes privados têm que ser responsabilizados nos limites dos atos contratuais firmados e dos compromissos assumidos. Não pode haver ingerência na gestão interna desses entes. Foi só isso que os juristas sugeriram no antiprojeto. Ou seja, os entes privados são regidos pelo direito privado e os entes públicos são regidos pelo direito público. Se um ente privado faz um contrato de alguma natureza com o setor público, esse ato que estar regido pela legalidade, conforme a lei, o objeto contratado tem que ser cumprido. De sorte que cabe a avaliação da execução física e financeira do contrato firmado. E em relação a isso, é evidente que a entidade não governamental é responsável e passível, portanto de responsabilização. Agora, o regime jurídico dela continua sendo de direito privado e não de direito público. Significa que ela não tem que obedecer às normas de funcionamento da administração pública. Ela funciona com base nos seus atos e o no seu contrato social. Em relação ao que foi contratado, ela tem que prestar contas de tudo, executar fielmente o que foi assumido nesse ato contratual.
Abr – O senhor poderia exemplificar como essa regra poderia agilizar a administração?
Viana – Não é questão de agilizar. É só você não poder impor às pessoas obrigações que elas não têm que cumprir. Imagine que você fosse obrigada, na administração do seu lar, a fazer o cumprimento de alguma regra de direito público só por que você eventualmente tivesse um contrato com o setor público. As normas têm que reger ao cumprimento do contrato que você firmou. Vamos imaginar que você preste um serviço à administração pública, que você tenha um contrato com a administração, que você trabalhe na área de comunicação e tem que cumprir determinadas obrigações em função desse contrato. Você só pode ser cobrada nos limites do contrato que você firmou. Eu não posso te obrigar a fazer mais nada para além do contrato. Na verdade, o que os juristas fizeram foi colocar o obvio no texto da lei, por que o objetivo dessa proposta é colocar a casa em ordem, definindo os papéis e as responsabilidades de cada um para evitar os conflitos administrativos e/ou judiciais que possam prejudicar o desempenho da máquina pública.
Abr – O senhor considera que são injustas as críticas feitas. Este projeto de lei pode abrir caminho para o desvio de verbas públicas?
Viana – O que eu acho que é que a leitura do texto acaba um pouco comprometida por um ambiente que foi um pouco conflitivo nesse período mais recente. Essa proposta foi elaborada durante um ano e meio, foi apresentada ainda em julho deste ano, quando nenhuma dessas discussões envolvendo TCU, o governo e outras entidades estavam postas. E é uma discussão que tem que ser feita com tranquilidade de ânimos, no sentido de nós buscarmos melhorar o marco regulatório da Administração Pública. Não se trata de ter um conflito entre este ou aquele segmento da Administração Pública, buscando um bode expiatório para os diversos problemas que a administração tem. Na verdade, de nós, de comum acordo, gestores públicos, advogados, controladores e todos os agentes públicos, procurarmos normas que, definindo bem as atribuições de cada seguimento dentro da administração, produzam aquilo que é o objetivo comum, que é de atender ao público com qualidade, segurança jurídica, enfim, com condições de eficiência, eficácia e efetividade.
Abr – Quando essa proposta será enviada ao Congresso?
Viana - Ainda é um anteprojeto. Só se torna um projeto quando encaminhado pelo presidente da República. Mas, agora, nós estamos naquele momento em que a proposta elaborada pelos juristas deve ser submetida à discussão com os diversos órgãos e entidades da administração pública que são intervenientes no processo. Esse processo já esta sendo feito por meio de consultas. A Advocacia-Geral da União, por meio do ministro e do consultor-geral da União, vai levar o assunto para debater com o chamado colégio de consultores, que reúne um conjunto de consultores jurídicos da administração federal. A Casa Civil vai fazer a mesma coisa. E a própria CGU ia nos encaminhar uma documentação sugerindo o aperfeiçoamento de diversos itens do antiprojeto, o que vem ao encontro das nossas expectativas. A ideia é que o anteprojeto é um ponto de partida qualificado para o debate. Mas não é o ponto de chegada que vai depender exatamente desse trabalho de articulação e discussão dentro do governo e, depois, evidentemente quando o projeto estiver tramitando com uma discussão ainda mais ampla.
Abr - Mas há uma previsão de quanto tempo essa proposta levará para ser aperfeiçoada e, depois disso, enviada ao Congresso?
Viana – Não há um prazo definido. Vai depender ainda dessas reações e das sugestões que forem feitas à luz da análise do documento em si. Essa decisão não está no nível burocrático administrativo. É uma decisão de uma esfera mais elevada. A decisão da oportunidade e conveniência de encaminhar o projeto de lei ao Congresso.
Fonte
Agência Brasil – 01 de dezembro de 2009