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A PEC 32 promove o pior da administração pública, avalia Vinícius Amaral

Depois de passar pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, a PEC 32/2020, da Reforma Administrativa proposta pelo governo Bolsonaro, será analisada por uma Comissão Especial.

Nesse novo momento, os parlamentares julgarão o mérito da proposta, que permanece com uma série de inconsistências e inconstitucionalidades que gerarão um efeito negativo desastroso para o setor público.

Para entender mais sobre isso, o Que Estado queremos? conversou com Vinícius Amaral, que é Consultor Legislativo do Senado Federal, e autor de uma nota técnica que analisa os perigos da PEC para o setor público.

Para ele, a proposta gera mais danos do que benefícios e promove as piores práticas já existentes na administração pública. Vinícius também chama atenção para o aumento da corrupção, que deve gerar um impacto fiscal negativo superior aos números positivos que supostamente apareceriam.

Quais são os aspectos negativos da PEC 32/2020 que constam na nota técnica do Senado?

Creio que o ponto principal é a identificação que a PEC terá impactos fiscais negativos, em virtude de diversos efeitos que ela irá gerar, tais como aumento da corrupção, maior facilidade de captura do Estado por interesses privados e redução da eficiência da Administração em virtude da desestruturação dos órgãos. Com isso, a PEC deverá piorar a situação fiscal do setor público, especialmente da União, onde os efeitos das medidas da redução de despesas propostas são bastante limitados.

A relevância dessa conclusão vem do fato de que um elemento central no discurso do governo (e dos apoiadores da PEC em geral) é que ela geraria economias e levaria à melhoria da situação fiscal, abrindo espaço para outras despesas que hoje estão comprimidas, tais como os investimentos. Assim, a Nota mostra que isso não ocorrerá e, portanto, a PEC 32/2020 não se sustenta nem mesmo como medida de melhoria das contas públicas.

Os custos do aumento da corrupção na administração pública resultante das mudanças da PEC têm um impacto fiscal muito maior do que os estimados pela implementação dessas mudanças?

Avaliamos que os impactos fiscais negativos devem superar as reduções de despesas geradas pela PEC, especialmente no caso da União. Com a PEC, por exemplo, poderá chegar a 1 milhão o número de indicações políticas no serviço público, considerando as três esferas. Há uma bem conhecida relação entre o aumento dessas indicações e o aumento da corrupção. Nesse ponto, aliás, a PEC faz o exato oposto do que deveria ser feito: o que é urgente é reduzir a quantidade dessas indicações no serviço público, que no Brasil é muito maior do que na comparação internacional, e não aumentá-la, como proposto. Lembremos que as estimativas de impacto da corrupção no Brasil já são elevadíssimas – podendo chegar a R$ 170 bilhões anuais -, logo é obviamente inaceitável que se proponham medidas que façam esse número crescer ainda mais.

Importante observar também que grande parte das medidas da PEC que poderiam reduzir despesas sequer se aplicam à esfera federal, porque extinguem parcelas remuneratórias que já não existem na União há mais de vinte anos. Além disso, as alterações nas progressões e promoções também devem ter pouco efeito, porque grande parte das carreiras já exige outros requisitos além do tempo de serviço para a sua concessão. Parece ter havido uma falha de diagnóstico inacreditavelmente grande na elaboração desta PEC.

Na Nota, apontamos outras medidas que seriam muito mais efetivas para o melhor controle das despesas de pessoal, tais como a aprovação do PL 6726/2016 (que visa dar efetividade ao teto remuneratório constitucional), o cumprimento da legislação existente para a expansão dessas despesas e a adoção de medidas gerenciais para o aumento da eficiência no setor público. Aliás, são medidas que exigem somente lei ordinária ou sequer necessitam de mudança legal. O fato de o governo querer esta PEC ao invés de outras alternativas mais simples e muito mais efetivas mostra claramente que a sua preocupação principal não é fiscal.

Quais são as perspectivas para o debate do mérito na Comissão Especial? Existe alguma possibilidade de mitigar os impactos negativos da reforma proposta pelo governo?

Sim, creio que haverá um debate intenso na Comissão Especial acerca do mérito da proposta. Isso já foi sinalizado pela própria discussão na CCJ, onde vimos mesmo parlamentares da base do governo trazendo muitos questionamentos. No entanto, dada a péssima formulação da PEC, me parece improvável que qualquer texto que venha a ser aprovado seja positivo para a administração pública.

As mudanças contidas na PEC aprofundam desigualdades entre servidores e também desigualdades sociais?

Sim, a PEC tende a aumentar desigualdades, pois cria categorias distintas de servidores com prerrogativas bastante diferentes. Basicamente, as atuais prerrogativas comuns a todos os servidores serão mantidas apenas para os assim chamados “cargos típicos de Estado”. Com isso, as demais carreiras – que devem formar o grosso dos servidores – terão relações de trabalho frágeis e precárias, ainda mais expostas aos riscos de ingerência política. Essa perda de direitos deve resultar também em desvalorização salarial ainda maior dessas carreiras, aumentando a já enorme disparidade remuneratória do serviço público. É importante destacar que esses postos são majoritariamente ocupados por mulheres e por pessoas negras, o que irá ampliar as desigualdades de gênero e raça no serviço público.

Os únicos argumentos apresentados pelo governo para justificar a aprovação da proposta são tamanho do Estado e sua suposta ineficiência. Esses argumentos se sustentam?

O Estado brasileiro é extremamente desigual em múltiplos aspectos, inclusive em termos da qualidade do serviço que oferece. Há órgãos de excelência internacionalmente reconhecida, enquanto outros claramente não conseguem atender às necessidades sociais. Uma autêntica reforma administrativa deveria conduzir os órgãos com menor desempenho para esse alto padrão de qualidade. Mas o que esta PEC faz é justamente o contrário – ela promove as piores práticas existentes na administração pública: ingerência política, loteamento partidário, captura por interesses privados, empreguismo, nepotismo e corrupção. Com isso, os órgãos mais prejudicados devem ser justamente aqueles que, historicamente, conseguiram constituir certa blindagem a essas práticas. O resultado é um golpe mortal no modelo de serviço público profissional instituído pela Constituição de 1988.

Como ficariam os serviços públicos, principalmente referentes à saúde, educação e segurança pública, caso a PEC seja aprovada da forma como está hoje? Existe algum estudo ou previsão de impacto para o cidadão?

Os efeitos potenciais são desastrosos. As universidades públicas, por exemplo, devem ser drasticamente afetadas: a carreira docente deve perder a estabilidade, expondo-a ainda mais a perseguições; a intervenção política do governo nelas será enormemente facilitada; militares poderão ocupar cargos de docência; poderá haver uma “uberização” da carreira docente, com contratações sob demanda, ao invés dos contratos permanentes atuais; e poderá haver privatização dos serviços. Nos outros níveis de educação e na saúde os riscos são similares.

Na segurança, podemos passar a ter cada vez mais ações e investigações politicamente motivadas. Além disso, as múltiplas possibilidades de contratação de pessoal sem concurso público podem permitir a penetração do crime e de milícias nas forças de segurança. É um quadro extremamente preocupante.

Aliás, muito da discussão tem girado somente sobre a questão da estabilidade, que sem dúvida é fundamental, mas as possibilidades de contratação de pessoal sem concurso podem gerar efeitos ainda mais danosos. A PEC constrói um arcabouço jurídico que permite a total ocupação política do Estado, o que facilita enormemente a implantação de um regime autoritário.


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